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ação popular, Constituição, decreto legislativo, democracia participativa, democracia representativa, iniciativa popular, Lei 9.709, plebiscito, referendo
Plebiscito e referendo são dois instrumentos destinados à consulta popular. Funcionam como ferramentas da chamada democracia participativa, em que o povo tem participação direta na formação de atos do governo nacional.
Nesse ponto, diferem das técnicas da democracia representativa, em que o povo não age de forma direta, mas indireta, no governo, por meio de representantes. É o que ocorre, por exemplo, quando a população é chamada a escolher representantes para o Congresso Nacional e para o Poder Executivo, os quais, uma vez empossados, passam a governar em nome do povo, mas este não mais decide diretamente sobre os atos dos eleitos, em geral até a eleição seguinte.
A Constituição brasileira de 1988 prevê alguns mecanismos de participação popular direta, no artigo 14: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis. No artigo 5.º, inciso LXXIII, a Constituição também menciona a ação popular, que é espécie de ação judicial para a qual tem legitimidade todo brasileiro no exercício de seus direitos políticos e que serve, entre outras finalidades, para o controle judicial dos atos do poder público.
Tanto no plebiscito quanto no referendo, os eleitores são consultados sobre determinados temas relevantes e votam como em uma eleição habitual para cargos eletivos. A diferença é que, naqueles casos, não escolhem pessoas, mas respondem a perguntas sobre se concordam com determinada proposta.
Plebiscito e referendo distinguem-se porque no plebiscito a consulta é anterior ao ato, enquanto no referendo é posterior a ele. Se a resposta ao plebiscito for positiva, o ato é praticado; se for negativa, o ato deixa de ocorrer. No referendo, o ato já foi praticado, mas a produção de seus efeitos (o que se chama de eficácia) fica condicionada à aprovação popular. Por exemplo, uma lei pode ser aprovada pelo Poder Legislativo e sua eficácia passa a depender da confirmação no referendo. Se a resposta ao referendo for negativa, a lei ou o ato não produzirão efeitos.
De acordo com o artigo 49 da Constituição, cabe exclusivamente ao Congresso Nacional autorizar a realização de referendo e convocar plebiscito. Isso significa que é apenas do Congresso a decisão das matérias a respeito das quais o plebiscito e o referendo são realizados. Também significa que o(a) presidente da República não tem poder para decidir sobre o cabimento dessas consultas, embora possa sugeri-las ao Congresso.
A Constituição prevê expressamente a necessidade de plebiscito nos seguintes casos:
a) consulta às populações interessadas, para a incorporação de Estados da Federação entre si, para a subdivisão e para o desmembramento deles, para a anexação deles a outros e para a formação de novos Estados ou territórios federais (a depender também de aprovação de lei complementar no Congresso Nacional – artigo 18, parágrafo 3.º);
b) consulta à população dos municípios envolvidos, para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios (a depender também de lei estadual e da divulgação dos estudos de viabilidade municipal – art. 18, parágrafo 4.º).
Também previu a Constituição, na parte denominada Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a realização de plebiscito em 7 de setembro de 1993, para que os eleitores definissem a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) no país. Como se sabe, o resultado desse plebiscito foi a manutenção da república e do presidencialismo.
A Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998, regulamenta a realização do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular de leis.
As duas formas de consulta cabem a respeito de matéria de grande relevância, podendo ser o tema de natureza constitucional, legislativa ou administrativa. Um e outro, conforme o caso, devem ser convocados por um instrumento denominado decreto legislativo, uma espécie de norma produzida pelo Poder Legislativo (no caso, o Congresso Nacional) em matérias de sua competência exclusiva. O decreto legislativo somente pode ser proposto para deliberação do Poder Legislativo por no mínimo um terço dos membros do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.
Se a convocação da consulta for aprovada, o Presidente do Congresso Nacional comunicará o fato à Justiça Eleitoral, à qual caberá (a) fixar a data da consulta popular; (b) tornar pública a cédula (atualmente eletrônica) a ser usada nela; (c) expedir instruções para a realização do plebiscito ou referendo; e (d) assegurar gratuidade nos meios de comunicação de massa concessionários de serviço público para a divulgação da posição de partidos políticos e outros grupos organizados a respeito da matéria.
Nada impede que os estados e os municípios realizem plebiscito e referendo para temas de relevância em sua própria esfera. Nesse caso, deverão observar as normas constitucionais e as da Lei 9.709/98, que tem caráter nacional, ou seja, é aplicável a todos os entes componentes da Federação.
Considerando as características tradicionais do plebiscito e do referendo, que em geral utilizam perguntas do tipo “sim ou não” para deliberação dos eleitores, parece difícil a utilização do plebiscito para indagar sobre temas complexos com muitos desdobramentos ou com múltiplas possibilidades para cada aspecto. Além da dificuldade de compreensão de todas as variações e soluções possíveis, seria necessário levar em conta o tempo para cada eleitor votar em todas elas, a possibilidade de muitos eleitores se confundir e a de a consulta levar a respostas contraditórias. Para essas situações, é preferível que o órgão competente (no caso de leis, o Poder Legislativo) elabore projeto completo e o submeta, em bloco, a referendo popular. Na hipótese de este rejeitá-lo, caberá ao parlamento reelaborá-lo.
O termo “referendo” também se usa em outros contextos, para designar qualquer confirmação de ato anteriormente praticado. Na praxe dos tribunais e de outros órgãos públicos colegiados (ou seja, com mais de um membro), é comum que certos atos precisem de aprovação do conjunto de seus membros, mas precisem ser praticados antes, em situação de urgência ou quando não convém aguardar a reunião do órgão. Nesses casos, geralmente uma das autoridades que o compõem decide de forma monocrática (isto é, individualmente), condicionada a manutenção do ato ao referendo (ou seja, à confirmação) dos demais membros do órgão. Nesses casos, geralmente se diz que o ato foi praticado ad referendum (expressão latina que significa “condicionado ao referendo”) do órgão colegiado.
Wellington,
parabéns, mais uma vez, pelas lições acerca de questões jurídicas bastante atuais e relevantes à sociedade brasileira.
Continue a nos disponibilizar teu conhecimento e experiência.
Grande abraço e ótima semana.
Gilson (MPT/PRT4).
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Muito obrigado pelo estímulo, Gilson.
Grande abraço. Idem.
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Parabéns mais uma vez pelo excelente trabalho Dr. Wellington!
Gostaria de tirar uma dúvida em relação ao trecho supracitado:
“b) consulta à população dos municípios envolvidos, para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios (a depender também de lei estadual e da divulgação dos estudos de viabilidade municipal – art. 18, parágrafo 4.º).”
Neste caso específico (criação de municípios), não dependeria também de lei complementar federal?
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Obrigado, Rogério. Sim, há necessidade de lei complementar federal. Não citei porque não quis entrar em detalhes sobre esse procedimento específico. O foco era falar do plebiscito e do referendo.
Abraço.
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Primeiro gostaria de parabenizar a iniciativa e a divulgação do conhecimento. Em seguida, fazer uma pequena, mas substancial, sugestão. Na verdade, a distinção de Plebiscito e Referendo não advém do resultado final, ou seja, se a consulta é anterior ou posterior ao ato, mas sim se a consulta vem de baixo pra cima (políticas reativas de abaixo/acima) ou de cima pra baixo (políticas indutivas de acima/abaixo), quero dizer se a motivação da consulta parte do povo se trata de plebiscito; ao contrário, se parte da administração é referendo.
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Agradeço o estímulo e a sugestão, Cleofas, mas não concordo por inteiro com ela. O plebiscito pode ser perfeitamente motivado pela própria administração pública, não só pelo povo. Veja que os casos de cabimento de plebiscito citados no texto (art. 18 da Constituição) são impostos ao poder público pela norma constitucional, independentemente de iniciativa do povo. Outro exemplo foi a recente proposta da Presidente da República de realização de plebiscito para mudanças no sistema de representação política. Não se tratou, nesse caso, de iniciativa popular.
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Olá Dr. Wellington
Estava realizando uma pesquisa sobre plebiscito e referendo e encontrei seu artigo bastante esclarecedor. Porém, ainda restam algumas dúvidas com relação às hipóteses de cabimento do plebiscito, que é o que particularmente me interessa. Mais precisamente com relação ao exercício do poder através do voto. Ex.: Se é correto afirmar que a legitimidade de um cargo político se dá através do voto, também seria correto afirmar que essa legitimidade também poderia ser “retirada” através de um plebiscito de iniciativa do Congresso Nacional, desde que o assunto, é claro, seja de grande relevância?
Desde já, muitíssimo obrigada
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