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Aspectos iniciais

A Lei 14.132, de 31 de março de 2021, criou o delito de perseguição (“stalking”, em inglês). Ela acrescentou o art. 147‑A ao Código Penal e definiu a conduta criminosa deste modo: “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando‑lhe a integridade física ou psicológica, restringindo‑lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.

Embora a lei tenha usado apenas o nome “perseguição” para denominar esse delito, ele é mais bem compreendido pela denominação perseguição obsessiva, perseguição contumaz ou perseguição persistente, porque esses nomes dão ideia mais próxima da conduta ilegal do autor do crime.

A pena é de seis meses a dois anos de reclusão, mais multa. Conforme o § 1.º do art. 147-A, essa pena deve ser aumentada de metade (isto é, noves meses a três anos) se o crime for praticado: contra criança, adolescente ou idoso (inciso I); contra mulher, em situação de violência doméstica e familiar ou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher (inc. II); mediante ação de duas ou mais pessoas ou com emprego de arma (inc. III). [O símbolo “§” lê-se como “parágrafo”.]

As penas desse crime devem ser impostas de forma cumulativa com as penas aplicáveis se tiver havido outra forma de violência contra a vítima. Por exemplo, se o perseguidor causar dano a patrimônio da vítima, as penas do crime de dano somam-se às da perseguição; se agredi-la, a pena da agressão é aplicada com a da perseguição.

Antes, a norma penal mais próxima de punir conduta como a da perseguição obsessiva era o art. 65 da Lei das Contravenções Penais (LCP), que consistia em “molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável”. Essa contravenção penal era punida com prisão simples, de 15 dias a dois meses, ou multa.

Formas de perseguição

O novo art. 147‑A não descreve de maneira precisa como pode ocorrer a perseguição obsessiva, porque se trata de crime de forma livre, ou seja, pode ser realizado de inúmeras maneiras.

Entre os atos que podem caracterizar o cometimento desse delito, estão os seguintes (enumeração apenas exemplificativa, não exaustiva): (a) ameaçar ou assediar a vítima, de modo a causar-lhe medo, inquietação ou ansiedade; (b) buscar aproximação física ou virtual com a vítima; (c) restrição indevida à liberdade de locomoção da vítima; (d) buscar contato com a vítima, presencialmente ou por qualquer meio de comunicação ou ato ou por intermédio de outras pessoas; (e) praticar atos presenciais ou remotos que levem a vítima a modificar sua rotina ou seu modo de vida; (f) usar indevidamente dados da vítima para adquirir bens ou serviços para ela ou induzir outras pessoas a entrar em contato com ela; (g) incitar outras pessoas, para que assediem ou ameacem a vítima; (h) ameaçar pessoas próximas à vítima, a fim de perturbá-la; (i) divulgar informações íntimas ou falsas acerca da vítima ou de pessoa próxima a ela, como forma de constrangê-la; (j) humilhar, ofender ou constranger a vítima reiteradamente, de forma reservada ou pública.

Em todos os casos, é necessário que a conduta seja reiterada, a ponto de perturbar a vítima, e que não tenha havido consentimento da vítima, porque, se a conduta do autor houver sido autorizada, não há o crime. Essas condutas podem ser cometidas de forma presencial, virtual ou por qualquer forma que chegue ao conhecimento da vítima, direta ou indiretamente. No caso de ameaça, não é necessário que o agente do delito tenha a intenção de concretizá-la nem que a ameaça seja grave, desde que suficiente a perturbar a tranquilidade da vítima.

O delito de perseguição obsessiva admite coautoria, ou seja, duas ou mais pessoas associadas para cometê-lo. Isso tem ocorrido com alguma frequência na cena pública das redes sociais, devido à polarização política do país nos últimos anos. Não raro, grupos articulam-se (às vezes usando fóruns e canais – os chans – da internet profunda, a “deep web”) para assediar e ameaçar pessoas vistas como adversárias ideológicas. Tem havido não poucos casos de brasileiras e brasileiros que se viram forçados a mudar-se, até de país, para escapar a essas formas de perseguição.

As condutas de perseguição podem afetar qualquer campo da vida da vítima, seja o afetivo, o familiar, o profissional ou o sexual, entre outros. Qualquer pessoa pode ser agente do delito, o que inclui parceiros, ex-parceiros e pretendentes, parentes, amigos, colegas de trabalho (independentemente de sua posição hierárquica em relação à vítima), fãs, colegas de estudo, professores, alunos, fotógrafos, detetives particulares etc.

Para caracterizar o crime, não importa a motivação do autor do delito, desde que seja capaz de perturbar a vítima. O autor pode ser movido por qualquer forma de afeto, positivo ou negativo, como paixão, ódio, egoísmo, desejo sexual, sentimento de posse, inveja, fixação doentia, machismo, idolatria, desejo de vingança, raiva, misoginia, divergência ideológica etc. No caso de a conduta levar em conta a condição feminina da vítima (como ocorre na maior parte dos casos), incide a causa de aumento de pena do § 1.º do art. 147‑A.

Mulheres são as vítimas mais frequentes de perseguição obsessiva, provavelmente por fatores culturais das sociedades patriarcais, em que se naturaliza e às vezes até se elogia o fato de homens perseguirem as mulheres que desejam (como se vê em filmes, por exemplo) e em que muitos homens, por machismo, não são educados a respeitar o direito de as mulheres recusarem suas propostas e de terminarem uma relação sexual ou amorosa no momento que desejarem.

Não há estatísticas conhecidas no Brasil sobre a quantidade de vítimas homens e mulheres, mas a percepção empírica sugere que as mulheres são perseguidas com muito mais frequência do que homens. Nos EUA, um dos levantamentos mais recentes, divulgado pelo Centro Nacional para as Vítimas de Crime, mostra que, naquele país, 16% das mulheres haviam sido vítimas desse delito, contra apenas 5% dos homens.

O crime pode ocorrer na forma tentada, caso o agente inicie a execução dos atos de assédio ou intimidação e não prossiga neles por ato estranho à sua vontade (art. 14, inciso II, do Código Penal). Há juristas, porém, que entendem incabível a tentativa nessa espécie de crime.

Investigação e ação penal

Esse crime somente pode ser investigado mediante representação (art. 147‑A, § 3.º), isto é, a vítima precisa comunicar ao Ministério Público ou à polícia que deseja investigação dos fatos e acusação contra o autor do delito (art. 147‑A, § 3.º). A representação pode ser verbal ou por escrito e não tem forma predefinida. Basta que a vítima comunique de forma clara seu desejo de que o fato seja investigado e punido.

Em geral, a competência para julgar esse crime será estadual, de modo que a vítima deve procurar a promotoria de justiça (Ministério Público estadual) ou delegacia de polícia (Polícia Civil) de sua cidade para comunicar os fatos e seu desejo de que sejam investigados.

A competência poderá ser da Justiça Federal se o autor do fato for agente público federal e praticar o delito no exercício da função ou utilizando recursos ou equipamentos da administração pública federal. Também será federal a competência se a vítima for agente público(a) federal, e o crime tiver relação com sua função pública.

Caso o crime seja praticado pela internet e com fundamento em misoginia (ódio ou aversão a mulheres), a investigação caberá à Polícia Federal (art. 1.º, inciso VII, da Lei 10.446, de 8 de maio de 2002), embora a acusação continue a cargo do Ministério Público estadual.

Considerando a pena máxima do art. 147‑A, na forma básica do crime (ou seja, se não for um dos casos do § 1.º), é possível ao Ministério Público celebrar transação penal com o autor do fato e haver suspensão condicional do processo (sursis processual), nos termos da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995), caso o autor do fato preencha os requisitos legais e o Ministério Público considere apropriados esses instrumentos legais.

Se o crime for praticado em uma das formas do § 1.º, não caberá transação penal com o autor do fato, mas poderá haver suspensão condicional do processo.

Em geral, esse crime não poderá gerar decretação de prisão preventiva de seu autor, porque a pena máxima não ultrapassa os quatro anos de reclusão, patamar exigido pelo art. 313, inciso I, do Código de Processo Penal (CPP).

Apesar disso, a vítima pode solicitar ao Ministério Público que peça ao Judiciário decretação de medidas cautelares para sua proteção, com base no art. 319 do CPP, como proibição de aproximação, distância de certos locais, recolhimento domiciliar noturno etc. Se a perseguição obsessiva estiver associada a violência doméstica ou familiar contra mulher, podem ser adotadas também as medidas protetivas da Lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006).

Saiba mais

Este texto é destinado às pessoas em geral, independentemente de formação jurídica. Para quem desejar aprofundar aspectos jurídicos do crime de perseguição obsessiva, algumas fontes úteis são as seguintes (usadas na elaboração deste texto):

– ARAS, Vladimir. O crime de stalking do art. 147-A do Código Penal. Blog do Vlad. Disponível em <https://is.gd/Jur0074> ou <https://vladimiraras.blog/2021/04/01/o-crime-de-stalking-do-art-147-a-do-codigo-penal/>;

– BARROS, Francisco Dirceu. Stalking: o novo crime do Código Penal. Blog do Mizuno. Disponível em <https://is.gd/Jur0075> ou <https://blog.editoramizuno.com.br/stalking-o-novo-crime-do-codigo-penal/>;

– CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14.132/21: Insere no Código Penal o art. 147‑A para tipificar o crime de perseguição. Meu Site Jurídico.com. Disponível em <https://is.gd/Jur0076> ou <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/04/01/lei-14-13221-insere-no-codigo-penal-o-art-147-para-tipificar-o-crime-de-perseguicao/>.