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A imprensa divulgou amplamente que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da Ministra Nancy Andrighi, teria “recebido” queixa do Deputado Federal Jean Wyllys contra a Desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

A queixa seria por ofensa à honra do deputado, pelo fato de a desembargadora haver dito que ele mereceria ser fuzilado e que não “valeria a bala” e “o pano para limpar a bagunça”.

Outras notícias disseram que o STJ teria “aberto ação” ou “aceito a ação” contra a desembargadora. Todas essas notícias estão tecnicamente erradas.

Primeiro esclarecimento: “queixa” é a petição inicial de ação penal privada, ou seja, a ação movida pela vítima de crime, na maioria dos casos. Os casos em que cabe queixa são excepcionais; geralmente envolvem crime contra a honra. A regra, no Processo Penal, são as ações penais públicas, isto é, aquelas movidas pelo Ministério Público.

Queixa não é o registro que alguém faz de um crime na polícia. É errada a expressão “registrar queixa” para indicar esse ato. Certo é falar em “registrar ocorrência” ou “registrar boletim de ocorrência”, o conhecido B.O. Tecnicamente, pode-se falar também em fazer notícia-crime, que é a comunicação de crime à polícia ou ao Ministério Público.

Segundo esclarecimento: boletim de ocorrência e notícia-crime não são denúncia. Denúncia é a petição inicial da ação penal pública, embora a imprensa e muitas pessoas falem em “fazer denúncia à polícia”, ao Ministério Público ou ao órgão X ou Y. O certo, aí, seria falar em “dar notícia” a esses órgãos. Pela mesma razão, é errado falar em “denúncia anônima”. O correto é “notícia anônima”.

Quem oferece queixa (ação penal privada) chama-se “querelante”. A pessoa contra a qual a queixa é oferecida denomina-se “querelado(a)”.

Quando alguém oferece queixa contra uma pessoa em tribunal (como no caso do deputado contra a desembargadora), isso ocorre porque o(a) querelado(a) tem foro privilegiado (foro por prerrogativa de função).

Desembargadores, quando acusados de crime, são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, devido ao artigo 105, inciso I, alínea a, da Constituição da República. O STJ é um dos chamados “tribunais superiores” do Poder Judiciário brasileiro.

Nos casos de foro privilegiado, o processo penal é regulamentado pelos artigos 1o a 12 da Lei 8.038, de 28 de maio de 1990. A primeira providência do juiz encarregado de conduzir o processo (o juiz relator) é fazer exame inicial da queixa. Se ela não contiver algum defeito muito grave, o(a) juiz(íza) relator(a) deverá mandar intimar o(a) querelado(a) para apresentar uma defesa inicial, que a lei chama de “resposta”. Isso está previsto no artigo 4o da Lei 8.038/1990.

No caso da queixa de Jean Wyllys contra a desembargadora, o que a ministra relatora fez não foi “receber a ação” nem “abrir a ação” contra ela. Limitou-se a mandar intimá-la para apresentar essa resposta.

Acusações penais formuladas em denúncia do Ministério Público ou queixa da vítima só se transformam em processo quando a denúncia ou queixa é recebida pelo órgão judicial competente (juiz de primeiro grau ou tribunal, no caso de foro privilegiado). Esse ato é denominado exatamente de recebimento da denúncia ou queixa. Significa que o órgão judicial examinou a acusação, considerou que ela preenche os requisitos legais, inclusive prova (que pode ser por indícios) da ocorrência do crime (a materialidade do crime) e da autoria dele. Esse conjunto chama-se “justa causa” para a ação penal.

Não se deve confundir acusação formal, feita por meio de denúncia ou queixa, com indiciamento. Este é apenas um registro administrativo feito pela polícia em seus bancos de dados, que não tem nenhuma consequência processual.

A ação penal contra a desembargadora só será iniciada se o Superior Tribunal de Justiça receber a queixa. Isso só deverá ocorrer depois de alguns meses, desde que a queixa preencha os requisitos legais e haja justa causa. Recebimento de denúncias e queixas cabe, no STJ, à sua Corte Especial, órgão composto por 15 ministros, entre os mais antigos e outros que a compõem em rodízio (art. 2o, § 2o, do Regimento Interno do STJ). [O símbolo “§” lê-se como “parágrafo”.]