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O princípio do juiz natural (que alguns denominam de princípio da naturalidade do juízo) está previsto em normas expressas na Constituição de 1988, como uma das garantias fundamentais do cidadão. Em linhas gerais, significa que as pessoas devem ser julgadas por órgãos judiciais criados previamente e com competência prevista nas leis do país para julgar casos em geral e não um processo em particular.

Além disso, o juiz ou tribunal competente deve ter as garantias que protegem a magistratura judicial em geral (inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos). Com essas garantias, o juiz pode julgar com independência, sem recear pressões indevidas do próprio Poder Judiciário ou de fontes externas. As garantias dos juízes, portanto, servem antes como proteção da sociedade do que deles próprios.

A garantia do juiz natural está nas normas do artigo 5.º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição do Brasil. Segundo o inc. XXXVII, não pode haver no país juízo ou tribunal de exceção. De acordo com o inc. LIII, ninguém pode ser processado nem sentenciado a não ser pela autoridade judicial competente.

A primeira norma impõe que os órgãos do Poder Judiciário encarregados de julgar os cidadãos sejam os mesmos para todos os processos semelhantes, ou seja, não se admite a criação de juízo ou de tribunal para julgar processo ou réu específico. Isso seria o chamado tribunal de exceção (também chamado de tribunal ad hoc, isto é, tribunal para caso específico), que a Constituição não aceita.

Dito de outra maneira, os órgãos judiciais com a função de julgar determinadas causas devem ser constituídos antecipadamente, justo para evitar que sejam criados de forma direcionada a uma pessoa. Com isso, também se impede que qualquer pessoa, seja particular, seja órgão público como o Ministério Público ou a advocacia do Estado, escolha o juízo no qual alguém será julgado

A proibição de juízos e tribunais de exceção não impede a existência de órgãos judiciais especializados em julgar certas causas ou certas autoridades. Pode haver, por exemplo, uma vara criminal especializada em julgar crimes de tráfico de drogas ilícitas, ou um tribunal com competência para julgar crimes de membros do Congresso Nacional. Isso não é vedado pela Constituição, que, na verdade, ela própria prevê alguns tribunais com funções específicas.

O próprio exemplo do tribunal para julgamento de membros do Congresso Nacional está na Constituição, que atribui essa competência ao Supremo Tribunal Federal (artigo 102, inc. I, alínea b). Esse é um dos casos do chamado foro por prerrogativa de função, também conhecido como “foro privilegiado” (ou ainda pela expressão latina foro ratione muneris), que designa a existência de certas autoridades com tribunal específico para seu julgamento. O que importa, como dito, é que essas competências sejam estabelecidas a priori, isto é, de maneira prévia ao início do processo, e de forma genérica.

É também possível que os tribunais, por atos jurídicos apropriados (como resoluções), criem novos juízos ou atribuam competência a juízos preexistentes para o julgamento de certas matérias. Um tribunal, por exemplo, pode dar a uma vara específica a competência para julgar crimes contra o sistema financeiro nacional. Desde que se trate de norma genérica e não direcionada a processo específico, ela será juridicamente válida.

O princípio do juiz natural não se aplica somente a processos de natureza criminal, mas a todos os que sejam submetidos ao Poder Judiciário, qualquer que seja a espécie, como as causas cíveis, trabalhistas, eleitorais etc. Para conhecer os ramos do Poder Judiciário no Brasil, veja este texto.

O princípio também se aplica aos processos administrativos. Se um cidadão tem processo administrativo a ser julgado pela Receita Federal, outro órgão não poderá apreciá-lo. A regra vale para todos os órgãos e entes públicos. Se um servidor público municipal da Secretaria da Educação do Município de Porto Alegre responde a processo administrativo disciplinar, a Secretaria de Finanças do mesmo município não poderá julgá-lo, como também não poderia órgão da administração pública estadual ou federal.

No processo penal, a garantia do juiz natural é aplicável desde a fase pré-processual, ou seja, da investigação criminal, quando ainda não houve acusação formal por parte do Ministério Público (MP). Por isso, a depender do caso, investigação realizada por órgão incompetente do MP ou supervisionada por órgão judicial sem competência poderá ser nula, e as provas nela colhidas, inaproveitáveis.

Por outro lado, essa garantia não impede a aplicabilidade de certas normas processuais que, conforme o caso, afetem a competência de certos órgãos judiciais, como as regras da prevenção, da conexão, da continência e outras, as quais serão explicadas em outros textos. Na verdade, como o princípio do juiz natural está diretamente associado à definição do juiz ou tribunal competente para julgar cada causa, essa garantia exige diversas regras para a fixação da competência do juízo, como as regras da distribuição, da competência territorial e várias outras, que também serão explicadas em outros textos.

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