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Retrocesso escandaloso

Está na pauta da sessão de 17/9/2019 do Senado o projeto de lei (PL) 5.029/2019, já aprovado na Câmara dos Deputados, que altera diversos pontos da legislação eleitoral. O PL gera retrocessos escandalosos nas leis eleitorais e estimula corrupção, lavagem de bens e outros crimes com o dinheiro dos contribuintes. O texto está aqui: https://is.gd/PL50292019.

Prestações de faz de contas

O PL 5.029/2019 altera a Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995). Um dos maiores problemas é a mudança dos arts. 30 e 31 da lei, para permitir que os partidos usem qualquer sistema de contabilidade do mercado na prestação de contas. Hoje precisam usar um sistema unificado do Tribunal Superior Eleitoral.

Se cada partido prestar contas em sistema próprio, será impossível à Justiça Eleitoral usar critérios homogêneos e cruzar informações. As prestações de contas dos partidos, que já não são controladas com eficiência, virarão de vez prestações de faz de contas.

Outro aspecto e que hoje cada Tribunal Regional Eleitoral tem uma área técnica que examina as prestações de contas de partidos e candidatos e oferece parecer preliminar ao Ministério Público Eleitoral e ao tribunal. O PL 5.029/2019 quer impedir que o setor sugira punição, mesmo para prestação de contas fraudulenta (art. 34, parágrafo 5.º).

Se aprovado o PL 5.029/2019, haverá colapso na análise das prestações de contas de partidos e candidatos, até que a Justiça Eleitoral consiga criar rotinas para examinar todos os diferentes sistemas informatizados usados por eles, o que parece quase impossível. Será um caos, um festival de desvios não detectados e de impunidade.

O PL permite (quando altera o art. 32 da Lei 9.096/1995) que partidos apresentem prestação de contas até 30/6 do ano seguinte a eleição. Os eleitores e o Ministério Público não mais poderão saber possíveis atos ilícitos com dinheiro do Fundo Partidário durante a própria campanha. Mais brecha para desvios, financiamento ilegal e abuso de poder econômico.

O projeto altera o art. 37, par. 16, da Lei 9.096/1995: multas por erro em prestação de contas de partido só caberão se se provar que o erro foi doloso. Provar isso é quase impossível, porque os partidos sempre alegarão que o erro não foi intencional.

O PL 5.029/2019 permite que partidos destinem passagens aéreas para qualquer pessoa, mesmo não filiada, e a Justiça Eleitoral não poderá exigir nenhum documento comprobatório além de fatura da passagem. Tudo livremente pago com dinheiro dos contribuintes.

O PL (art. 39, par. 7.º) elimina, em transações bancárias de partidos, a fiscalização das empresas financeiras e bancos sobre as “pessoas politicamente expostas” (PEPs), uma exigência internacional dos sistemas contra lavagem de bens.

O PL (art. 44, inciso VIII) permite que o Fundo Partidário (dinheiro dos contribuintes) pague qualquer serviço advocatício de interesse direto ou indireto do partido. Se um partido for acusado pelo Ministério Público de desvio de dinheiro, os contribuintes pagarão os advogados do partido.

O PL (art. 44, inc. IX) permite que o Fundo Partidário (dinheiro dos contribuintes) pague juros, multas, débitos eleitorais e qualquer punição por uso do próprio fundo, ou seja, dinheiro dos contribuintes pagará as punições por uso ilícito desse mesmo dinheiro.

O PL (art. 44-A) prejudica até os empregados de partidos que ganhem mais de R$ 11.600,00 de salário. Eles perderão todas as proteções e direitos da legislação trabalhista.

O PL (art. 45-A) ressuscita o acesso pago com dinheiro público (nunca foi “gratuito”) a rádio e televisão. Se um partido descumprir a lei nessa propaganda, só poderá ser punido com cassação de tempo. Qualquer outra punição fica proibida.

O PL 5.029/2019 (art. 45-A, par. 3.º) proíbe o Ministério Público Eleitoral de propor representação por propaganda partidária ilegal. Só outros partidos poderiam propô-la. O MP ficaria de mãos atadas. Perceba-se o grau de impunidade que essa restrição causaria.

Retrocesso na Lei das Eleições

O PL também altera a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), para criar mais facilidades para os partidos e enfraquecer a atuação da Justiça Eleitoral e do MP Eleitoral.

Altera os arts. 18-A e 27 da Lei 9.504/1997: acaba o limite de gastos de campanha com consultoria, assessoria e honorários em defesa de partidos e candidatos, inclusive pagos por eleitores. Isso causaria forte descontrole do dinheiro dos contribuintes. A permissão de pagamento ilimitado de gastos de campanha com consultoria, assessoria e honorários (com dinheiro dos contribuintes) abre enorme brecha para desvios, caixa dois e lavagem, pois é fácil simular esses serviços com documentos aparentemente válidos.

O art. 5.º do PL 5.029/2019 dá anistia (isto é, perdão) aos partidos obrigados a devolver ao Tesouro Nacional doações recebidas ilegalmente de servidores públicos, mesmo que tenham sido condenados pela Justiça Eleitoral. As decisões judiciais, depois de processo com ampla defesa, seriam jogadas no lixo.

Em resumo, o PL 5.029/2019 é enorme retrocesso na legislação eleitoral. As prestações de contas de partidos e candidatos, que já são examinadas de modo deficiente pela Justiça Eleitoral, perderão ainda mais eficácia. Crimes e desvios em eleições, com dinheiro público, aumentarão.