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Órgãos judiciais individuais e colegiados

A maioria dos julgamentos do Poder Judiciário ocorre por decisões individuais de juízes (chamadas “decisões monocráticas”, porque são tomadas por uma só pessoa).

Isso ocorre naturalmente na primeira instância do Judiciário (também chamado de “primeiro grau de jurisdição”), porque os órgãos de julgamento (as varas) são quase todos compostos por um só juiz. Exceções são os órgãos constituídos por mais de um julgador, como é o caso dos tribunais do júri (em que as acusações são julgadas pelo conselho de sentença, formado pelos jurados) e das auditorias militares (existentes na Justiça Militar estadual e na da União, em que a acusação é julgada pelos conselhos de justificação). Para saber mais, veja o texto Estrutura do Poder Judiciário no Brasil.

Órgãos de julgamento formados por mais de uma pessoa (órgãos colegiados) são o comum na segunda instância do Judiciário e nas instâncias superiores, pois nelas os julgamentos são feitos por tribunais. No caso dos juizados especiais (cíveis ou criminais), o julgamento de segunda instância é feito pelas turmas recursais.

Composição dos tribunais

Mesmo nos tribunais, grande parte dos julgamentos também se faz por decisões individuais. As leis processuais brasileiras permitem isso em diversas ocasiões, porque elas admitem (e até estimulam) uma quantidade tão grande de recursos que não haveria tempo para todos eles serem julgados por grupos de juízes.

Nos casos em que as decisões não possam ser individuais, o julgamento nos tribunais ocorre nos órgãos colegiados. Essa deveria ser a regra nos tribunais, decorrência do princípio da colegialidade, segundo o qual recursos contra decisões individuais deveriam ser reexaminados por órgãos com mais de um juiz.

Cada tribunal tem sua própria estrutura, definida em um regimento interno, que fixa seus órgãos e os procedimentos de julgamento.

Tribunais julgam processos pela totalidade de seus membros (o plenário, também chamado de pleno ou tribunal pleno) ou por grupos menores de juízes (os órgãos fracionários). Esses órgãos fracionários têm diferentes denominações: câmaras, seções, turmas etc. Pode haver combinações e variações desses órgãos, como grupos de câmaras, turmas reunidas, turmas especializadas etc.

Alguns tribunais são compostos por grande número de juízes. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, atualmente tem nada menos do que 360 membros (desembargadores). O do Rio de Janeiro possui 180 desembargadores. Evidentemente, qualquer julgamento com essa quantidade de pessoas demoraria tempo excessivo. Por isso, o artigo 93, inciso XI, da Constituição da República, permite que tribunais com mais de 25 integrantes julguem com número inferior de membros, reunidos no que denomina órgão especial (que pode ser chamado de corte especial ou de outro nome), o qual substitui o plenário nos julgamentos.

Julgamento nos tribunais

De forma sucinta, nos julgamentos em tribunais, a maioria dos processos que ali chegam são atribuídos a um juiz responsável, chamado relator, de acordo com certas regras de distribuição. Em geral, a distribuição é aleatória, ou seja, ocorre por sorteio, mas sujeita também a regras de especialização (casos criminais para turmas criminais, por exemplo), entre outras. O relator ficará responsável por conduzir o processo até a sessão de julgamento.

Normalmente é necessário tomar certas providências durante a tramitação do processo no tribunal, como decidir pedidos das partes, mandar que elas e o Ministério Público se manifestem etc. Tais providências também ficam a cargo do relator. Encerrada essa tramitação, ele pede inclusão do processo na pauta de julgamento do órgão ao qual caberá julgá-lo (o plenário, o órgão especial, a turma ou o que for competente, conforme o caso). Essa pauta é a agenda de julgamentos do órgão. O ato de solicitar inclusão do processo na pauta é também conhecido como “pedir dia para julgamento”.

Alguns processos mais simples ou urgentes não precisam ser incluídos na pauta. Podem ser levados pelo relator para julgamento em qualquer dia. É o que se chama de “levar o processo em mesa”.

No dia da sessão de julgamento, a sequência é, em geral, a seguinte:

a) o presidente da sessão anuncia o processo a ser julgado, identificando seu número e o nome das partes (é o pregão do processo);

b) o relator narra os principais fatos e argumentos do processo (o relatório do processo);

c) se as partes ou o Ministério Público houverem pedido ao relator ou ao presidente da sessão, poderão se manifestar oralmente, para destacar seus principais argumentos (a chamada sustentação oral); em alguns casos sustentações orais não são permitidas;

d) encerradas as sustentações orais, se houver, o relator apresenta seu voto, que é uma proposta de como acredita que o processo deva ser julgado; ao contrário do que dizem algumas pessoas, juízes não dão “parecer” sobre processos (saiba mais no texto Juiz que pede e promotor que ordena?);

e) os demais membros do órgão podem passar ao debate sobre o voto do relator, podem ler ou resumir seus próprios votos ou podem simplesmente dizer que concordam com a proposta do relator (é o “voto com o relator”); o regimento interno estabelece a ordem em que cada juiz é chamado pelo presidente a proferir seu voto; durante os debates, às vezes juízes mudam de ideia e alteram seu voto, diante de novos argumentos e reflexões;

f) à medida que são proferidos os votos, o presidente da sessão computa-os e, ao final, proclama o resultado, que é apurado pela maioria dos votos; se houver votos divergentes, aqueles que ficam em menor número são chamados de votos vencidos.

O que é um pedido de vista

Logo após o relator do processo proferir seu voto ou durante os debates ou o processo de votação, qualquer dos membros do órgão julgador pode pedir vista do processo.

Essa expressão vem do fato de que, na época dos processos formados por documentos em papel (os volumes físicos do caso), isto é, os autos de cada processo, eles não eram examinados por todos os juízes. Se tivesse dúvida, um dos julgadores podia pedir para ver os autos; daí a expressão. Alguns falam em pedir “vistas”, mas essa forma não faz sentido, porque se pede uma “vista” (uma visão, um olhar) do processo, não diversas “vistas”.

Atualmente, muitos processos são eletrônicos e ficam disponíveis integralmente a todos os membros do tribunal em seu sistema informatizado. Isso permite que eles tenham vista dos autos antes da sessão de julgamento. Mesmo assim, comumente não há tempo para que todos examinem todos os processos, de forma que algum pode “pedir vista” na sessão, embora já pudesse ter olhado antes os autos.

Pode ocorrer de um juiz pedir apenas para se certificar de um detalhe do processo, sem adiar o julgamento. Nesses casos, pede ao presidente da sessão que o julgamento se suspenda momentaneamente, enquanto examina os autos na própria sessão. É o que se chama de “pedido de vista em mesa”. Após examinar o que desejava, o julgamento é retomado e concluído na mesma sessão. Se não for possível, adia-se o fim do julgamento para outra sessão.

Efeitos de pedidos de vista

Se um juiz pedir vista de processo, o término do julgamento é adiado. Os votos já proferidos são anotados pelo presidente. Outros juízes que já se sintam com elementos suficientes podem votar e até pedir para fazer isso antes de sua vez, na ordem de votação (a antecipação de voto). Na maioria dos casos, os juízes que não votaram preferem aguardar que o colega traga de volta o processo após o pedido de vista, tanto por consideração como porque esse colega pode trazer elementos importantes a serem considerados no voto dos demais.

Se alguém pede vista, mesmo que a maioria dos juízes já tenha votado em determinado sentido, o julgamento, em regra, ainda não produz efeitos, porque não se concluiu. Isso afeta tanto a solução da situação concreta quanto os trâmites processuais (prazos para recurso, execução do julgamento etc.).

Em situações urgentes (como quando se discute a prisão de alguém), o relator ou o presidente podem propor ao órgão de julgamento que alguns efeitos sejam imediatamente produzidos, mesmo diante de um pedido de vista. Isso é examinado caso a caso.

Prazo de pedidos de vista

Até algum tempo atrás, ocorriam situações em que juízes pediam vista de um processo não exatamente para o examinar melhor, mas para evitar que o julgamento se concluísse naquela sessão ou para alguma outra finalidade desconhecida.

Costuma-se dizer que, quando um juiz pede vista de um processo, não há prazo para o julgamento prosseguir. Isso pode ser verdade em muitos casos, do ponto de vista real. Mas não deveria ser assim, porque há regras para essas situações.

No caso do Supremo Tribunal Federal (STF), seu Regimento Interno, aprovado em 15 de outubro de 1980, já previa, no artigo 134, que se um ministro pedisse vista, deveria apresentar o processo para julgamento até a segunda sessão seguinte. Em 2003, o STF aprovou a Resolução 278, de 15 de dezembro, segundo a qual o ministro que pedir vista tem 10 dias para devolver o processo, prorrogáveis automaticamente por mais 10. Se não os devolver, o presidente poderá requisitar os autos e continuar o julgamento.

Para os demais órgãos do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Resolução 202, de 27 de outubro de 2015 (o STF não está submetido ao CNJ). De acordo com ela, qualquer juiz de tribunal pode ter vista de um processo por até 10 dias, prorrogáveis por igual prazo, mediante pedido justificado. Ao final disso, o presidente do órgão pode requisitar os autos e prosseguir no julgamento. Se o juiz que pediu vista afirmar ainda não estar capacitado a julgar, o presidente pode convocar um substituto.

Acima das duas resoluções, o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16 de março de 2015), que entrou em vigor em 17 de março de 2016 (artigo 1.045), estabelece mecanismo semelhante para os pedidos de vista, com prazo de 10 dias prorrogáveis e continuidade do julgamento em seguida.

Como se diz na expressão em latim usada na linguagem jurídica, “habemus legem” (ou seja, “temos lei”) para tratar do assunto. Falta que os próprios tribunais a apliquem, espontaneamente ou provocados pelas partes, pelos advogados e pelo Ministério Público. Não se pode aceitar que processos com pedidos de vista, às vezes já com maioria de votos formada, fiquem à mercê de um só juiz enquanto este o desejar.