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Introdução

Quando alguém é vítima de crime ou contravenção penal, passa a ser dever do poder público investigar o fato e adotar as providências apropriadas. Isso ocorre porque o Estado reservou para si a tarefa de aplicar à força a lei penal e proíbe, como regra, o exercício da justiça com as próprias mãos.

Exercício arbitrário das próprias razões e legítima defesa

Por isso existe, no artigo 345 do Código Penal, o crime chamado de exercício arbitrário das próprias razões, que consiste em fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, ainda que legítima, salvo quando a lei o permita. Esse crime é punido com pena de detenção de 15 dias a um mês, mais multa, além da pena correspondente à violência que ocorrer.

Se você for vítima desse crime, precisará contratar advogado ou recorrer à Defensoria Pública se não puder pagar um, pois a ação penal é privada. O Ministério Público apenas pode promover a ação penal nesse crime se ele for praticado com violência (artigo 345, parágrafo único, do Código Penal).

A lei permite que as pessoas defendam a si mesmas e a outras da prática de crime. O artigo 23, inciso II, do Código Penal, prevê que não há crime quando alguém age em legítima defesa. Se houver excesso na defesa, contudo, a pessoa responderá por ele (artigo 23, parágrafo único).

Para que a defesa seja legítima, a pessoa deve usar de forma moderada os meios necessários para repelir agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outro indivíduo (artigo 25 do Código Penal).

Investigação criminal

A tarefa de investigar crimes é atribuída principalmente à polícia, mas o Ministério Público também pode realizá-la. Os crimes em geral são apurados pela Polícia Civil, que é órgão dos Estados. Se o crime for federal ou eleitoral, a apuração caberá à Polícia Federal, que é órgão da União, subordinada ao Ministério da Justiça. Se o delito for militar, a atribuição será da Polícia Militar (crimes militares estaduais) ou das Forças Armadas(crimes militares federais).

A Polícia Civil e a Federal têm como função principal a de polícia investigativa, embora realizem outras. A Polícia Federal, por exemplo, exerce também o controle de fronteiras e de imigração.

Já a Polícia Militar (PM) exerce principalmente a função de polícia de segurança pública preventiva, por meio do patrulhamento e da presença ostensiva nas vias e em outros locais públicos. Como em geral não tem função investigativa, quando a PM depara com a prática de crime, conduz o autor do fato à presença da polícia civil ou federal, conforme o caso, para que esta dê início à investigação.

A comunicação de crime ou contravenção à polícia pode realizar-se pelo registro de boletim de ocorrência (BO), que pode ser feito verbalmente pelo ofendido ou por outra pessoa, em uma delegacia de polícia (ou, em alguns Estados e para alguns fatos, pela internet). Também se pode levar o conhecimento de uma infração penal à polícia ou ao Ministério Público por meio de comunicação escrita chamada de notícia-crime. Todo cidadão tem direito de comunicar crime ao Ministério Público, de acordo com o artigo 27 do Código de Processo Penal (CPP).

Muita gente, inclusive jornalistas, chama essas comunicações de “denúncia”, mas isso é errado, como se explica no texto Denúncia, queixa, notícia-crime e ocorrência.

Com o boletim de ocorrência ou a notícia-crime, caberá à polícia, em princípio, instaurar inquérito policial para apurar a infração penal. Se o conhecimento desta for dado ao Ministério Público, este poderá requisitar da polícia a instauração do inquérito ou poderá ele próprio realizar a investigação, por meio de procedimento administrativo.

Se a polícia chegar ao local onde estiver sendo ou tenha acabado de ser cometido um crime, poderá efetuar a prisão em flagrante do autor do fato, e, com isso, dará início ao inquérito policial. O Código de Processo Penal, no artigo 301, autoriza que qualquer cidadão brasileiro realize a prisão em flagrante. Para a polícia, realizar a prisão é dever.

Para crimes que estejam em andamento, o cidadão pode também acionar o atendimento urgente da Polícia Militar (chamada de Brigada Militar no Rio Grande do Sul), em geral por meio do telefone 190.

A depender da realidade local, certas infrações podem ser coibidas por outros órgãos. Problema muito comum em muitas cidades, atualmente, é a contravenção de perturbação do sossego, que pode ocorrer por meio de “gritaria ou algazarra”, pelo exercício de “profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais”, pelo abuso “de instrumentos sonoros ou sinais acústicos” ou por provocar ou não procurar “impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda” (artigo 42 da Lei das Contravenções Penais). Essa conduta é punida com prisão simples, de 15 dias a três meses. Em alguns municípios, essa contravenção é reprimida por setores administrativos das prefeituras ou de outros órgãos.

Crimes ambientais, por exemplo, podem ser objeto da ação de órgãos ambientais especializados ou da polícia ambiental, os quais podem ser unidades da própria Polícia Militar.

Por variadas razões, como a baixa prioridade dada pelos governadores dos Estados ao sistema de segurança pública, infelizmente muitos crimes não chegam ao conhecimento da polícia e, quando chegam, não geram inquérito policial ou este é encerrado sem a descoberta das circunstâncias do fato e de sua autoria. Para que se tenha ideia da baixa eficiência de nosso sistema nesse campo, considerando apenas os inquéritos policiais por crime de homicídio, um dos mais graves que há, a estimativa atual é de que apenas de 5% a 8% das mortes sejam esclarecidas pela polícia no Brasil, percentual que é de 90% no Reino Unido, 80% na França e 65% nos Estados Unidos, de acordo com o Diagnóstico da investigação de homicídios no Brasil (versão 2012, p. 22), da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp).

Preciso provar o crime de que fui vítima?

Como dito, a investigação de crimes e contravenções penais cabe principalmente à polícia e ao Ministério Público. Investigar é reunir provas do ato e de quem foi seu autor, para que o Ministério Público (ou, em alguns casos, a própria vítima) decida se há elementos suficientes para alguma providência processual penal.

Por isso, é sempre muito importante que a vítima, os parentes da vítima ou a pessoa que tiver tido conhecimento do fato entregue à polícia ou ao Ministério Público a maior quantidade possível de provas e informações, para permitir que a investigação seja rápida e eficiente. Se essas pessoas tiverem documentos, nomes de testemunhas do crime, objetos e qualquer outro dado útil, deve entregá-los ao órgão de investigação ou pelos menos informar como ter acesso a eles. O noticiante do crime não precisa ter certeza das informações que transmitir à polícia. Nesse caso, deve deixar claro que sua informação é apenas uma suspeita.

A vítima ou pessoa que comunica o crime não é legalmente obrigada a dar essas informações à polícia, mas, se não o fizer, a investigação será muito dificultada e poderá ser arquivada por iniciativa do Ministério Público, se não conseguir esclarecer os fatos.

O processo criminal. Ação penal pública e privada

Já a função de processar os responsáveis por um crime é, quase sempre, do Ministério Público, órgão criado pela Constituição do Brasil especializado nessa função, embora ela não seja a única que ele exerça. O MP é o titular privativo da ação penal de iniciativa pública (artigo 129, inciso I, da Constituição). Para conhecer mais, veja o texto Para que serve e o que faz o Ministério Público?

Existem duas espécies de crimes: os de ação penal pública e os de ação penal privada. No segundo caso, cabe ao próprio ofendido tomar a iniciativa de comunicar o fato à polícia e, de posse das provas, processar os responsáveis. A ação penal privada inicia-se por meio de petição chamada queixa. Para isso, o ofendido precisa contratar advogado. Se não tiver condições econômicas de pagar um, deve dirigir-se à Defensoria Pública em sua cidade (infelizmente, na maior parte das cidades não há Defensoria Pública com estrutura suficiente para atender todos os cidadãos).

Os crimes de ação pública podem ser comunicados por qualquer pessoa à polícia ou ao Ministério Público e, mesmo que ninguém os comunique, eles têm o dever de investigá-lo por iniciativa própria. Uma vez concluída a investigação, deve o Ministério Público propor a ação penal também por iniciativa própria, mediante petição chamada denúncia. Essa atuação por iniciativa própria é o que se chama de atuação de ofício.

Se quiser saber mais sobre essas diferenças, veja os textos Ação penal pública e privada e Denúncia, queixa, notícia-crime e ocorrência.

Se o crime for de ação penal privada, uma vez encerrada a investigação, ela é entregue ao ofendido, a seu sucessor ou representante, para que avalie as medidas a serem tomadas. Se for de ação penal pública, a investigação é remetida ao Ministério Público, para a mesma finalidade. Isso é explicado no texto Providências do Ministério Público ao fim da investigação criminal.

Infrações penais de menor potencial ofensivo

Existe um grupo de infrações penais que as leis consideram menos graves, porque geram menor repercussão social e recebem penas menores. São as chamadas infrações de menor potencial ofensivo. Elas são definidas na Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, a qual trata também dos juizados especiais cíveis e criminais (e por isso é conhecida como Lei dos Juizados Especiais).

Esses crimes são aqueles para os quais a lei atribua pena mínima igual ou inferior a dois anos (artigo 61 da lei). Além deles, estão abrangidas aí todas as contravenções penais, definidas na Lei das Contravenções Penais, como determina o mesmo artigo 61.

No caso de infração de menor potencial ofensivo, não cabe prisão em flagrante, registro de ocorrência nem instauração de inquérito policial. O que a Lei 9.099 prevê é a lavratura de documento chamado termo circunstanciado de ocorrência, conhecido como TCO. Nele, o delegado de polícia deverá registrar a maior quantidade de possível de informações sobre o fato e seu autor e enviar o TCO ao Ministério Público (artigo 69 da Lei 9.099). O MP deverá requerer a intimação do autor do fato para propor-lhe transação penal(artigo 72 da Lei 9.099).

Apenas se a transação penal não for aceita pelo autor do fato ou se ele não cumprir as condições nela acordadas, haverá processo criminal contra si.

Posso ser responsabilizado(a) por comunicar um crime?

A pessoa que comunica de boa fé um possível crime ou contravenção à polícia ou ao Ministério Público, em princípio, não pode ser responsabilizada, porque está exercendo um direito constitucional. A Constituição da República estabelece como direito fundamental o de qualquer cidadão dirigir-se aos órgãos públicos (como é o caso do Ministério Público e da polícia) contra ato ilegal (como é o caso dos crimes e contravenções). Isso está no artigo 5.º, inciso XXXIV, letra a, da Constituição.

Se, porém, a pessoa comunicar um fato inexistente de forma proposital, estará ela própria cometendo um crime. A depender das circunstâncias, o relato falso de um ato como crime poderá configurar um dos seguintes crimes:

a) comunicação falsa de crime ou contravenção: punida com detenção de um a seis meses e multa (artigo 340 do Código Penal);

b) calúnia: punida com detenção de seis meses a dois anos e multa (artigo 138 do Código Penal);

c) denunciação caluniosa: punida com reclusão de dois a oito anos e multa (artigo 339 do Código Penal); a pena é aumentada em mais um sexto, se a pessoa houver usado o anonimato ou nome falso.

Essas penas aplicam-se ao autor de trote, essa prática profundamente tola que pessoas infantilizadas ou desocupadas realizam, comunicando fatos inexistentes aos órgãos públicos. Além de serem crimes, os trotes desviam o trabalho de policiais e outros agentes públicos de crimes e fatos verdadeiros. Os trotes são extremamente danosos, porque atrapalham o trabalho dos órgãos públicos e podem até causar a morte de pessoas que ficam sem o atendimento merecido.