Tags

, , , , , , , , , , ,

Noções iniciais

O princípio do contraditório é uma das garantias fundamentais dos cidadãos e das pessoas jurídicas, previsto expressamente no artigo 5.º, inciso LV, da Constituição do Brasil. De acordo com esse inciso, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Segundo o inc. LV, o princípio do contraditório (ou simplesmente “contraditório”, como é frequentemente designado) aplica-se a todos os litigantes, ou seja, a todos aqueles que defendam seus interesses em um processo, seja ele judicial (levado a julgamento no Poder Judiciário) ou administrativo (submetido a decisão de qualquer outro órgão público).

Contraditório consiste essencialmente no direito que todas as pessoas têm de poder expor seus argumentos e apresentar provas ao órgão encarregado de decidir antes que a decisão seja tomada. É o direito à manifestação. Dessa forma, diante dos argumentos de uma parte, a outra precisa ser comunicada e ter a oportunidade de se manifestar com argumentos contrários – daí o nome “contraditório”. Além disso, o princípio exige a possibilidade de que a parte cujos interesses não tenham sido acatados tenha também a possibilidade de recorrer da decisão, para que ela seja reexaminada. É o direito ao recurso.

Consequências do princípio

Algumas das consequências do princípio são as seguintes:

a) não se admitem processos secretos contra quem quer que seja, isto é, as pessoas têm direito à informação sobre o conteúdo do processo;

b) o indivíduo tem o direito de ver seus argumentos analisados pela autoridade (administrativa ou judicial) que julgará o processo, desde que sejam pertinentes.

Embora o princípio do contraditório seja voltado, sobretudo, ao funcionamento dos órgãos públicos quando conduzem processos, geralmente se entende que, por decorrer de regra justa, a mecânica de ouvir as duas partes antes da decisão deve aplicar-se a outras situações de funcionamento do Estado, sempre que possível, mesmo que não haja processo formal instaurado.

Na verdade, o princípio do contraditório é um dos desdobramentos de dois princípios mais abrangentes, que são o princípio do devido processo legal (também conhecido por sua denominação em inglês: due process of law) e o princípio da ampla defesa, os quais serão expostos em outros textos.

Limites e condições do contraditório

Assim como todos os demais princípios e regras jurídicas, o do contraditório não é absoluto. Mesmo sendo garantia constitucional, ele aplica-se de acordo com as normas jurídicas apropriadas. Isso é necessário porque, se não fosse dessa forma, os processos nunca teriam fim, já que a parte com interesses lesados iria sempre argumentar e recorrer contra as decisões, alegando direito a ampla defesa.

Uma das principais formas de limitar – de maneira legítima – o contraditório é a previsão de prazos nas normas processuais ou na decisão da autoridade competente. Por exemplo, em um processo a parte pode ser intimada (comunicada) para indicar, no prazo que o juiz determinar, as provas que deseje produzir. Se esse prazo não for cumprido, a parte perderá a oportunidade de indicá-las. Quando a decisão for tomada, a parte deverá ter a chance de recorrer dela, mas também precisa fazer isso no prazo legal, sob pena de não mais poder exercer o direito ao recurso.

Momentos e formas de aplicação

Nem sempre se aplica da mesma forma o princípio do contraditório. Em algumas espécies de procedimento ele pode não se aplicar ou aplicar-se em momento posterior à decisão. Por exemplo, o inquérito policial é um dos procedimentos destinados à investigação de crimes, mas não pode gerar a condenação de ninguém por si só. É necessário haver processo criminal com base na investigação, o qual se concretiza por meio da ação penal, geralmente iniciada com acusação do Ministério Público contida na denúncia. Como o inquérito não gera condenação, nele não é totalmente aplicável o contraditório. A razão disso está em que na ação penal o acusado terá direito a conhecer todas as provas produzidas na investigação, a manifestar-se sobre elas, a expor seus argumentos e a requerer a produção de outras provas. Desse modo, não haveria prejuízo a seus interesses. Em outras palavras, o contraditório é adiado da investigação para a ação penal – é o que se chama de contraditório diferido (diferir significa adiar).

Existem outras situações nas quais o contraditório tampouco se aplica, porque poderia pôr em risco a própria utilidade do ato. É o que ocorre em algumas diligências de investigação nas quais o investigado não pode ter conhecimento prévio, como a interceptação de comunicações telefônicas. Obviamente, se alguém tiver suas comunicações interceptadas, não pode ser informado disso, ou, do contrário, evitará qualquer comunicação que possa prejudicá-lo, e a diligência será inútil. Nesses casos, o contraditório também é diferido: se a prova obtida por meio da interceptação for utilizada contra o investigado, ele precisará ter conhecimento disso e poderá contraditar a prova, apontar defeitos dela e assim por diante.

Garantias associadas

O princípio do contraditório está associado a outras garantias dos cidadãos, para permitir que as decisões do poder público sejam o mais possível adequadas e justas (sendo certo que sempre haverá possibilidade de erro no funcionamento do Estado, pois é formado por seres humanos).

Uma delas é o direito à assistência de advogado (também designado como direito à assistência jurídica) e o direito a ter acesso às provas que forem produzidas em qualquer processo que possa afetar o interesse do indivíduo. A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal produziu a súmula vinculante 14, que diz: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

No Processo Penal, esse direito à assistência jurídica significa que nenhum processo criminal pode prosseguir sem que o réu seja representado por advogado (que pode ser o próprio acusado, se possuir habilitação profissional para isso). Se o réu não tiver condições econômicas de contratar advogado, cabe ao Estado fornecer-lhe um, preferencialmente por meio da defensoria pública ou, se esta não possuir defensor disponível, por meio de advogado indicado pelo juiz (o chamado advogado dativo).

Nos processos administrativos, o direito a contraditório está regulamentado pela Lei do Processo Administrativo Federal (Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999). Estados e municípios podem ter suas próprias leis de processo administrativo, mas, se não as possuírem, poderão aplicar essa lei federal.