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A imprensa frequentemente noticia que alguém foi preso “a pedido” do juiz ou “por ordem” do promotor de justiça. Também não raramente se veem matérias segundo as quais o juiz “dá parecer”.

Essas notícias mostram desconhecimento básico de algumas funções dos participantes do sistema de justiça. Se não seriam aceitáveis nos cidadãos em geral, muito menos o são em jornalistas, que têm a missão de informar os cidadãos, não a de disseminar erro. O desconhecimento não é, contudo, apenas de jornalistas, mas de muitos brasileiros.

De forma simplificada, nos processos judiciais, há, em geral, duas funções principais: a das partes, que expõem ao juiz suas pretensões e requerem aquilo que lhes interesse, e a do juiz, que representa o Estado, decide o litígio entre as partes e atribui a cada uma o que lhe for devido.

Do lado das partes, há geralmente a que apresenta a demanda ao juiz: é comumente denominada autor, requerente ou demandante, entre outros termos. A parte contra quem o autor pede algo ao juiz é o réu, requerido ou demandado. Existem outros termos para processos específicos, que não vêm ao caso no momento.

Dessa forma, as partes no processo pedem e o juiz (ou tribunal) decide. Essa é a representação básica das funções processuais. Existem outras que não se encaixam nesse modelo, como (a) a das testemunhas, que narram sua visão dos fatos para contribuir com o julgamento, (b) a dos peritos, que emprestam seu conhecimento técnico para a mesma finalidade, (c) a dos servidores da justiça, que colaboram com o juiz para o andamento e o julgamento das causas, e (d) a do Ministério Público, que, em alguns processos, não funciona como parte, mas com a finalidade de apontar ao juiz a solução que acredita correta para o processo (é a função chamada de “fiscal da lei”, também conhecida como “custos legis”, na expressão latina, que significa exatamente a mesma coisa).

Não é função do juiz pedir nada nos processos. As partes – autor e réu – é que fazem pedidos. A função do juiz é receber os requerimentos das partes, dar impulso ao processo e, no momento certo, decidi-los. A decisão judicial pode ter diferentes formas, explicadas no texto Despachos, decisões, sentenças e acórdãos. Em muitos casos, as decisões judiciais podem conter uma ordem, dirigida ao réu ou a terceiros. Essa ordem pode estar contida na própria decisão ou em outro documento, como um ofício ou um mandado judicial (“mandado” vem do verbo “mandar” e significa o mesmo que “ordem”).

Não se deve confundir mandado (ordem judicial) com mandato. Esta segunda palavra pode indicar diferentes coisas: uma espécie de contrato, o período de tempo no qual alguém exerce uma função ou a missão que certas pessoas exercem, em nome de outras.

No processo criminal, quase sempre cabe ao Ministério Público apresentar a acusação ao juiz, por meio de uma petição denominada denúncia (a respeito das situações em que cabe denúncia do Ministério Público, vide o texto Ação penal pública e privada). Nos casos em que cabe denúncia, o Ministério Público é o autor da ação penal, na defesa da sociedade e da vítima (ou sua família), com a finalidade de aplicar ao réu a punição apropriada à conduta deste. É o Ministério Público, portanto, que pede ao juiz autorizar o exercício do direito de punir (também conhecido pela expressão latina jus puniendi) o réu pela infração que este cometeu.

Se, no curso da ação penal, couber a decretação da prisão do acusado, em algum dos casos da lei, ela deverá, necessariamente, ser ordenada pelo juiz ou pelo tribunal criminal competente. Isso é garantia de todos os cidadãos, prevista de forma expressa no artigo 5.º, inciso LXI, da Constituição do Brasil. Ninguém mais pode determinar a prisão de um cidadão. As únicas exceções são os casos (a) de prisão em flagrante delito (em geral, quando alguém acaba de cometer um crime), (b) de prisão por atraso injustificado no pagamento de pensão alimentícia (esta prisão não tem caráter criminal, mas civil) e (c) de prisão por transgressão militar (que é excepcional e tem caráter administrativo).

A prisão em flagrante delito pode ser feita por qualquer pessoa (artigo 301 do Código de Processo Penal). Em se tratando de dívida de pensão alimentícia, o que não a pagou é denominado de devedor ou de inadimplente (aquele que não cumpre uma obrigação legal). Neste caso, também é um juiz que tem competência para determinar a prisão. No caso de transgressão militar, cabe à autoridade militar autorizada por lei determinar a prisão do militar; essa prisão tem natureza administrativa e não criminal.

Por tudo isso, nunca se pode dizer que um juiz “pediu” uma prisão ou alguma outra providência. Quem pede prisão é o Ministério Público ou, em alguns casos, a polícia (embora sujeita à concordância do Ministério Público). O juiz ordena a prisão, se for o caso. Paralelamente, o membro do Ministério Público não pode ordenar prisão, mas apenas pedi-la.

Raciocínio semelhante vale para todos os demais processos em que o Ministério Público esteja presente: não lhe cabe ordenar providências durante o processo, mas requerê-las ao juiz, a quem cabe deferi-las (autorizá-las) ou não.