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Aspectos iniciais

O chamado foro privilegiado é o direito que algumas autoridades têm de ser investigadas e julgadas em determinado tribunal, quando suspeitas ou acusadas da prática de um crime.

Esse direito dá a essas autoridades um órgão diferente de julgamento do que é aplicável ao cidadão comum, o qual é normalmente julgado por juiz de primeira instância.

O foro privilegiado é também chamado, na linguagem técnica, de foro por prerrogativa de função, pois decorre do fato de certas pessoas ocuparem cargos protegidos por esse mecanismo.

As autoridades que têm direito ao foro privilegiado e os tribunais competentes para julgá-las estão previstos na Constituição da República.

Casos de foro privilegiado

Alguns exemplos de foro privilegiado são os seguintes:

a)   prefeitos, juízes e membros do Ministério Público de primeira instância, secretários e deputados estaduais: são julgados por um Tribunal de Justiça (no caso de crime de competência estadual), por um Tribunal Regional Federal (no caso de crime de competência federal) ou por um Tribunal Regional Eleitoral (no caso de crime eleitoral);

b)   governadores dos Estados, desembargadores, membros do Ministério Público que atuem perante tribunal e membros dos Tribunais de Contas: são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça;

c)   o presidente da República, o vice-presidente, membros do Congresso Nacional (senadores e deputados federais), ministros do Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, membros dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União e chefes de missão diplomática de caráter permanente: são julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

Para conhecer melhor os órgãos judiciários, veja o texto Estrutura do Poder Judiciário no Brasil.

Investigação e ação penal

Mesmo a investigação de crimes possivelmente praticados por essas autoridades deve ser supervisionada pelo tribunal competente para julgá-las. Portanto, se um prefeito atropelar alguém no trânsito, a investigação desse possível crime deverá ser realizada pela polícia, mas acompanhada pelo respectivo Tribunal de Justiça.

Como a Constituição dá ao Ministério Público a responsabilidade por promover as ações penais, não deveria caber a nenhum tribunal comandar investigação criminal (para saber mais, veja o texto Para que serve e o que faz o Ministério Público?). O Poder Judiciário não tem a função de investigar crimes, mas a de julgar a ação penal, quando o Ministério Público a propuser.

Aplicação do foro privilegiado

A aplicação da regra do foro privilegiado leva em conta o cargo ocupado pela autoridade no momento da investigação criminal ou da ação penal. Prevalece o cargo atual do investigado ou acusado.

Se alguém não ocupava cargo que justificasse foro privilegiado, mas vem a ocupar um deles, a partir desse momento a investigação ou a ação penal deve ser enviada ao tribunal correspondente.

Ao contrário, se alguém comete crime enquanto ocupa um desses cargos e vem a deixar de ocupá-lo, a investigação ou ação penal, que deveria tramitar no tribunal correspondente ao cargo, deve ser remetida a um juiz de primeiro grau (ou a outro tribunal, caso a pessoa passe a ocupar outro cargo).

Coautoria e participação

Mesmo pessoas que não ocupem aqueles cargos podem, em alguns casos, ser julgadas diretamente em tribunais e não na primeira instância. Isso ocorre quando elas são acusadas de praticar o crime com uma autoridade, isto é, quando há coautoria ou participação no crime. Nesses casos, o tribunal competente pode decidir que tanto as autoridades quanto os cidadãos comuns serão julgados juntos, no mesmo processo.

Cabe ao tribunal competente para julgar a autoridade decidir se os coautores e partícipes sem foro privilegiado serão julgados no mesmo tribunal competente para quem tem foro privilegiado ou se o processo será separado e enviado para um juiz de primeira instância.

Deve haver foro privilegiado?

Existe discussão entre profissionais do Direito e de outras áreas sobre a conveniência das regras de foro privilegiado.

Alguns entendem que elas são corretas, porque protegeriam o exercício das funções dessas autoridades de possíveis abusos praticados por juízes e membros do Ministério Público da primeira instância.

Outra corrente considera que o sistema não deveria existir, porque cria desigualdade de tratamento entre certas autoridades e os demais cidadãos, já que todas as pessoas deveriam ser julgadas pelos mesmos juízes. Além disso, críticos do sistema entendem que os tribunais brasileiros não estão preparados para supervisionar investigações criminais e conduzir ações penais iniciadas neles mesmos, pela complexidade dos atos que esses processos envolvem. Caberia aos tribunais julgar as ações apenas quando houvesse recurso das decisões da primeira instância.

Minha opinião é a da segunda corrente. Todo cidadão, independentemente de sua função, deveria ser julgado pelos mesmos juízes. Para evitar situações indesejáveis, como a de um presidente da República ser afastado do cargo por um juiz de primeira instância, bastaria que a lei criasse regras de segurança, como a necessidade de a decisão ser revista por um tribunal.